sábado

Mirror do Tejo (cruzeiro no Tejo)

Introdução:
Imaginem um daqueles dias em que vão iniciar uma viagem de Mota com 300km
mas esta seria uma viagem muito particular ou singular,
onde não haveria limites de velocidade, e todos teriam uma maquina potente e bem calçada...
A viagem seria uma competição a "feijões", onde muitos queriam o "1º feijão".
Agora imaginem mais uma coisa... aparecia uma pequena motorizada no meio dessa malta,
e anunciava que iria alinhar também na viagem...

O pensamento geral seria:
- a motorizada vai ficar bem para trás, e chegará na melhor das hipóteses muitas horas depois, ou talvez até nem consiga chegar nem a metade do caminho, quanto mais ao fim...

A hora da partida chegou e toda a gente arrancou a fundo...
e toca a rolar e rolar quilómetros, mas a motorizada não saia dos espelhos dos da frente,
e por estúpido que possa ser, alguns vinham atrás da pequena motorizada.

No final todas as maquinas chegam ao final...
mas infelizmente muitos chegaram ao final graças à assistência em viagem.

Afinal a motorizada chega praticamente ao mesmo tempo que os maquinões,
mas sem usar qualquer tipo de assistência em viagem...
dizer que chegou quase ao mesmo tempo que as outras, pode dar a entender que chegou em ultima
mas longe disso, e o 5º lugar na geral foi sem espinhas
Mas importante é que simplesmente chegou de forma imaculada...


Pois é...
a introdução não passa dum cenário que na realidade não existe,
mas se for transportado para outros cenários, até se torna bem real...
e acreditem que esse cenário foi um trabalho de 3 anos,

Mas recuando um pouco no tempo (3 anos)
Um dia resolvi comprar um pequeno Optimist
uma embarcação à vela, para crianças de 7 anos
em que aos 12 já se tornam grandes para a embarcação em si...
eu não sou lá muito pequeno e com os meus 90 e tal kgs
também não sou lá muito leve, mas mesmo assim a teimosia deu frutos:



até que resolvemos fazer algo de diferente
subir o Tejo e atravessar o Mar da Palha
e foi mais ou menos assim:

                 O Otimista do Tejo vai de saída
                 adeus ó cais da Moita
                 isto vai ser p'ra lá da loucura
                 ah! mas que ingrata ventura...
                 com tantos medos e sobressaltos
                 sem contar essa história escondida

                 Com a vela enfunada
                 vadio sem vergonha
                 vou de viagem e ai que largada
                 só vejo cores e ai que alegria

                 Vou no espantoso trono do Mar da Palha
                 vou no tremendo assopro dos ventos
                 vou por cima dos meus pensamentos
                 arrepia, arrepia Otimista do Tejo
                 e arrepia sim senhor
                 que vida boa é a de vadio...

                 Mar da Palha das águas ardendo
                 o delírio dos céus
                 a fúria do barlavento
                 arreia a vela e vai vadio ao leme
                 vira o barco e cai vadio ao mar
                 olha a minha sorte
                 olha o meu azar

                 e depois do barco virado
                 esfola, mata, agarra
                 aí quem me ajuda
                 reza, implora, escapa

                 Aquilo é uma tempestade medonha

                 aquilo vai p'ra lá do que é eterno
                 aquilo era o retrato do inferno
                 e vai ao fundo
                 e vai ao fundo sim senhor
                 que vida boa é a de vadio...

E pronto lá afundamos a Embarcação a uns 4 kms da margem

Na verdade não ganhei para o susto
e escapei de boa com apenas uns riscos e umas mossas...
mas tínhamos que voltar a tentar
e trabalhamos durante 2 anos para fazer a 2ª tentativa


A motorizada da nossa introdução é agora o "Mirror do Tejo" de nome "Pancho",
com documentos legais e impostos em dia,
mas era apenas "motorizada" aos olhos dos outros...
pois para mim é um autentico "Navio"

a tal "assistência em viagem" é os motores auxiliares que todos levavam...
(eu levei apenas um par de remos e umas garrafas de agua para hidratar o remador)





A viagem era a Regata/cruzeiro de Moita para Vila Franca,
e o nosso objectivo era simplesmente chegar ao final...
era mesmo "a feijões".

Tínhamos preparado a nossa participação ao pormenor,
seria um risco calculado, com as contas muito bem feitas,
mas que no final tudo dependeria da sorte ou falta dela...

Iríamos preparados para os piores cenários, e não contávamos receber ajuda externa... nos nossos planos todos os cenários possíveis seriam resolvidos por mim. (ponto final)

A má experiência de 2013 dizia-me o que podia estar novamente à nossa espera...
mas tinhamos treinado, melhoramos a nossa tecnica, fizemos reconhecimentos, aprendemos com relatos de quem vive no rio... etc etc



Disto tudo nasceram bons momentos, fizemos novas amizades e acima de tudo, foi divertido...
um desses dias dedicado a fazer reconhecimentos ao Tejo...





É claro que a saúde do "Navio" foi incluída nessa preparação,
e tivemos que aprender umas coisas novas sobre carpintaria naval, e toca a arregaçar as mangas.
Levamos o casco do Mirror à madeira para procurar pontos fracos,
e reforçamos o que necessitava de ser reforçado.





No final, o nosso esforço deu frutos, e as hipóteses de sucesso subiam uns "furinhos"
Fizemos uns remos mais robustos,
novos ajustes na vela grande mais ergonómicos e acessíveis com ventos fortes,
o leme foi melhorado, o mastro, e etc etc...





Até que o dia da regata chega,
eu mal dormi na véspera, parecia uma criança a explodir de ansiedade...

Alguns Amigos não acreditavam que eu tivesse o arrojo de levar o Bote com 3,3 metros nesta viagem com mais de 80km (ida e volta)
Outros acreditavam, mas duvidavam se chegaria ou não ao final...

A tripulação do "Bonança" sempre acreditou, e ajudaram-me a levantar a "moral",
pois todas as pessoas com quem tinha falado faziam a mesma pergunta,
- mas tens ao menos um motor? ai não tens? e vais mesmo com isso? hummmm...
e depois lia-se nas suas expressões, - coitado, nem sabe o que lhe espera!!



Na realidade eu não estava inscrito na regata,
e tinha algumas duvidas se iriam aceitar a minha inscrição
ou simplesmente a minha presença seria "bem-vinda" ou não...
mas também, nada nem ninguém me podia proibir de velejar até Vila Franca, eheheh

Minutos antes da partida, uma lancha vem ao meu encontro...
era a organização, e fez a minha inscrição oficial já no meio do rio,
também me deram contactos telefónicos, para activar os meios de socorro se necessita-se.

Temos que ser realistas, e imaginem que se levantava ventos fortes...
se a regata tivesse apenas duas lanchas rápidas de socorro para mais de duas dezenas de embarcações, e era o mesmo que dizer que tinha só uma lancha,
visto que a outra seria apenas para mim.
- percebem onde quero chegar?
E quem socorre alguém, arrisca-se a ter que ser também socorrido, e como tal, não contávamos receber qualquer tipo de ajuda, acontece-se o que acontece...
a não ser que eu estivesse ferido com alguma gravidade juntamente sem forças para mais...
Dizer isto, por dizer, é uma coisa... mas tínhamos tudo, mas tudo pensado para o pior, e com condições para aguentar pelo menos dois dias sozinhos no difícil Mar da Palha.


Inicio da regata/cruzeiro
Bom chega de conversa, e vamos lá a isso...





Muita coisa aconteceu logo no inicio,
pois vi encalharem 5 embarcações e consegui ajudar duas delas...
e o "pequeno" Bote nunca soube o que era encalhar eheheh
Mas tal como no mundo das 2 rodas,
nunca se vira as costas a quem esta atascado e a necessitar de ajuda.





A Ponte Vasco da Gama, era o marco que me dizia que os primeiros 20km estavam feitos...
e como estava nos lugares da frente, algo me dizia que estava a deslizar bem...





A Vasco da Gama é na realidade enorme
e sentimos um frio, ou um fresco impressionante quando passamos por debaixo dela
até arrepia, acreditem, também iriam sentir isso,
porque era um dia de muito calor e ela faz uma bela sombra eheheheh




Adeus Ponte Vasco da Gama, ou até amanhã...
olá "Cala das Barcas" e agora era sempre a direito e a subir...
e algo me dizia que se os primeiros 20 kms foram fáceis,
os restantes 60 também seria algo que estava ao nosso alcance





A largura do Tejo nesta zona é enorme
é um autentico mar interno, conhecido pelo Mar da Palha...
alem de ser quilómetros de agua a perder de vista, esta zona pode tornar-se muito traiçoeira quando se levanta ventos fortes...





Continuava-mos o nosso caminho...
3/4 do caminho estavam cumpridos, e continuava muitas velas atrás de nós...
era imagem linda de se ver... nesta altura ia muito descontraído e maravilhado com a paisagem.





Eu tinha  sido avisado por muita gente, que em Alhandra o vento seria um problema serio,
e dito e feito...
parecia que nas margens existia uma maquina de fazer vento,
refregas bem carregadas como nunca tinha visto,
era vento forte sempre a soluçar...
Enquanto a maioria trocava as velas pelo motor auxiliar, o Mirror rasgava caminho e saltava de onda em onda... as fortes refregas (rajadas) tentavam vira-lo, mas ele ainda ganhava mais velocidade...





...e pronto
tínhamos chegado a Vila Franca de Xira
estávamos novamente no meio do mundo dos "grandes"






Varino "Sou do Tejo"                                                  Varino "Liberdade"



As canoas do Tejo são as rainhas e senhoras da velocidade,
desengane-se que um moderno veleiro do mesmo tamanho lhe consegue fugir com ventos rijos,
o seu peso que anda na casa das 4 ou 5 e 6 toneladas permite usar enormes velas, e o seu casco que se encontra a baixo da linha de agua, tem umas linhas muito antigas mas muito aerodinâmicas...

(um pequeno exemplo: Link dum video do facebook)

Canoa "Princesa do Tejo"                                                  Canoa "Canastrinha"



Catraio "Baltazar" que foge um pouco ao normal catraio, apenas porque está cabinado.

Os catraios nasceram para o transporte de passageiros, ou seja foram em tempos os cacilheiros do Tejo

O "Baltazar" nasceu com um destino diferente, e está muito bem preparado para fazer cruzeiros de varias semanas no Tejo,





Os catraios é claro que são rápidos, e se tiverem uma vela latina nem se fala...
mas quando se fala de embarcações à vela o comprimento do casco é determinante para a velocidade, e visto que para ser catraio não pode ir além dos 6,5 metros, torna-se uma "desvantagem" (entre aspas) quando comparado com as canoas...

Mas fica na minha memoria o catraio "DENEB" O Má Cara... 
Este catraio e a sua tripulação transmitia uma mensagem de calma e serenidade do caraças,
ou seja, tinha encalhado 5 embarcações, e tudo dizia que a deles seria a próxima,
o homem do leme perguntou-me: - conhece o fundo do rio nesta zona?
eu respondi que não e que era a primeira vez que ali passava...
ele respondeu - então já somos 4 e sorriu! 
Mas foi uma imagem linda de se ver, eles calmamente e muito organizados e serenos iam apalpando o fundo com uma vara, e progredindo lentamente, com bons métodos e sem qualquer tipo de pressas...
e foi a surpresa das surpresas, quando me disseram que essa equipa tinha sido a vencedora absoluta da regata/cruzeiro...




O "Pancho" conhecido pelo "Mirror do Tejo" ou simplesmente pelo "Navio"
era de longe o meu preferido, apenas por uma simples razão:
- porque faz equipa comigo,
e não trocava a viagem de regresso a casa a bordo dele, por nenhum outro





Muita coisa se viu até aqui...
muitas fotos se podia ter tirado, se tivesse uma maquina daquelas que não tenho,
e no ambiente que vamos só há condições para a pequena Go pro

Depois de um belo duche, estava  reunidas as condições para atacar a sardinhada...




A noite foi completada com a visita à festa anual do "colete encarnado",
era alegria e comes e bebes por todo o lado, havia palcos espalhados um pouco por toda a vila, com espectáculos para todos os gostos...

Ainda tive oportunidade para visitar o museu do toureiro Mário Coelho,
embora eu não seja um aficionado da arte taurina, é notável o percurso que este Toureiro fez um pouco por todo o mundo...





Por volta das 9 da manhã era altura de soltar amarras e fazer o regresso a casa,
A malta que estava no caís ajudaram a soltar as amarras, e todos me desejaram um bom regresso...
Era o primeiro Bote a fazer-me à agua, porque sem motor auxiliar, e orgulhoso demais para aceitar reboque, teria que aproveitar bem o dia...

Adeus Vila Franca... e até para o ano...







Ponte Vasco da Gama, com os seus 17 km de tabuleiro





... e pouco mais tenho para dizer, foi tudo muito porreiro,
mas é claro que este fim de semana teve um preço:
    - inscrição na regata/cruzeiro
    - o ancoramento na marina,
    - duche de agua quente,
    - jantar com comida à descrição,
    - visita ao museu
    - dormida a bordo do varino Boa Viagem
custou-me um total de 80 cêntimos
(porque bebi um café) eheheh

Não havia para a minha classe lugar no pódio 
ou algo que se pareça...

mas a forma como receberam o "Mirror do Tejo" e o "gajo do leme" faz desta lembrança algo com um enorme valor...

Ela também conta uma história de 3 anos ...

e 5º lugar na geral também ninguém nos tira
eheheh


Obrigado a todos...



ao Centro Náutico Moitense e Vilafranquense,
à junta de freguesia da Moita que me ofereceu uma bandeira da freguesia,
e ao Bruno, Luís e Joaquim pela ajuda preciosa que me deram para atracar o Navio ao caís...

e OBR a vocês pela visita
(Edgar + Pancho, o Mirror do Tejo)

10 comentários:

  1. Excelente desafio, superado pela excelente dupla!! :) Parabens!

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    1. eheheheh
      Olá Fernando,
      desta vez tivemos a sorte do nosso lado...
      e a parte que me coube foi divertida e facilitada pela sorte dos ventos.
      OBR Amigo pela visita e pelo comentário...
      ABR (Edgar)

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  2. Agora estou a reconhecer a sua embarcação, encontramo-nos junto à coroa dos Castelhanos e trocamos algumas palavras, nomeadamente se conhecia aquele baixio onde me respondeu que era a primeira vez. O meu barco o DENEB, se bem se recorda, foi o ultimo a passar aquele estreito, passou sem encalhar, depois abriu e ninguém mais o acompanhou até chegarmos a V.F.Xira, com vitoria absoluta, seguido do Lady Mary. Os meus parabéns e obrigado às entidades que promoveram este evento,bem como à equipa do clube náutico e seus colaboradores pelo excelente apoio.
    que nos presentearam com umas excelentes sardinhas.

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  3. Olá José
    Sim... sim... eheheh pois foi
    ver vocês naquele bocadinho a trabalharem em equipa foi das coisas mais bonitas que vi durante a regata...
    Estive perto de ir atrás de vocês, mas estava danadinho para tirar umas fotos à ponte Vasco da Gama... e escolhi atravessar a direito até lá...
    Encontrei uma foto do DENEB e editei o post com um pequeno comentário à vossa participação...
    PARABÉNS pela regata e pela vitoria que deve dar um sabor ainda melhor ao vosso passeio...
    espero ter oportunidade de voltar a cruzar-me convosco e que aja tempo para um cafézito...

    OBR pela vista e pelo comentário

    PS: a sardinhada estava excelente, mas as febras, entremeadas e salsichas frescas, também não se ficavam atrás... eheheh

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    1. Olá bom dia! É verdade, o trabalho em equipe é sempre mais eficiente e ali foi a confirmação.
      Dia 8 de Agosto vai haver uma regata de barcos tradicionais do rio Tejo e de São Martinho do Porto, porque não aparece? Traga um amigo também! Um abcs José louro da Costa
      http://botesdesmartinhodoporto.blogspot.pt/

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    2. Boas...
      sr. José, é com muita pena minha mas dificilmente poderei velejar nessas aguas...
      Mas ainda vou estudar uma forma de conseguir levar o Bote, para ver a Regata de perto...
      pois gostava também de conhecer novas aguas...
      ou talvez consiga pedir boleia a um amigo que vá participar...
      OBR
      ABR (Edgar)

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  4. Olá Edgar,
    voltei aqui a este cantinho, já deixei aqui um comentário com os 3 S's. Pelo que li neste post tomaste noção da importância da segurança. A experiência tb assim nos ensina, certo?

    Ir até VFX é sempre um prazer e perfeitamente exequível para um pequeno veleiro, mesmo sem motor desde que o vento sopre. E jogar sempre com a grande ajuda da maré.

    Agora tens de subir mais um pouco e ires até Valada ;-)

    Pareceu-me que tinhas a vela grande muito ensacada o que é bom para ventos ligeiros mas fortemente desaconselhável em vento forte ou com refregas violentas.
    Se foi o caso e puder aconselhar, tens de ajustar a esteira nessas alturas.

    E deu para perceber que te tens divertido, isso é o mais importante. Depois dos 3 S's :-D

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    1. Boas... :)

      Começo por agradecer essas palavras sábias...
      sim na realidade a maré e as suas correntes foram o grande motor deste fim de semana, sem elas não seria possível.

      Estamos a fazer algumas melhorias para poder ir a Valada...
      vamos fazer uma cobertura para a proa naquele tecido de vela balão, para evitar agua a bordo, e mais outras pequenas coisas, que vão desde anular os mosquitos e etc etc...
      Mas talvez Valada seja algo que esteja ao nosso alcance em 2016...

      A retranca foi feita este ano, e recebeu o tal ajuste do "punho da escota"
      esse ajuste é acessível com ventos fortes, pois tem uma desmultiplicação, e situa-se a meio da retranca...
      Vinha com ventos fracos de popa, e quando a "coisa aqueceu" estávamos à bolina serrada, diminui um pouco o saco da vela grande, Mas o punho da amura tem que ser melhorado ou alterado... pois ele desloca-se quando tento tirar saco.
      mas havemos de lá chegar, porque as melhorias nunca terão fim eheheh

      sem os tais 3 S's, não há diversão possível ;-)

      ABR :) e OBR
      (Edgar)

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  5. Ed .....Ed....seu maluco .
    Adoro ler os teus relatos ! Pena não me sair o euro milhões ...
    Grande abraço e ... continua !!!!

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