era dia de inaugurar-mos o nosso pequeno veleiro da classe Optimist...
Foi baptizado com o nome que faz justiça... "Otimista do Tejo"
...porque encara todas as situações com verdadeiro otimismo... eheheh...
e porque nasceu para deslizar no Tejo...
Escolhemos para a sua viagem inaugural, rumar da Moita até Vila Franca...
foi uma escolha muito, mas muito ambiciosa para um pequeno barco com 2 metros e pouco e apenas meia dúzia de centímetros de altura...
Parece que esta pequena viagem estava condenada ao fracasso... pois todos me diziam que o Mar da Palha não teria piedade e iria lixar-me a vida...
fingimos ser surdos, e não demos ouvidos a ninguém...
e lá fomos atacar esses tais 80 km (ida e volta medidos em linha recta)...
E... o dia começa assim...
Depois de trabalhar na madrugada de 6ªfeira, saí do meu emprego pelas 7 e pouco da manhã...
era 6ª feira e as condições segundo a meteorologia, seriam muito boas...
Por volta das 9:00H estávamos a preparar tudo para zarpar.
Fomos ainda com aguas baixas e com um vento "assim assim" até à ilha do Rato,
A ilha seria utilizada para fazer-mos a primeira escala da viagem...
aproveitamos para comer qualquer coisa e fazer as últimas verificações.
Agora sim...
...agora iríamos passar pela barra da Base Aérea do Montijo... e vamos atravessar o Mar da Palha.
Tínhamos encontrado um vento moderado e condições de mar excelentes...
mas existia um problema que nos estava a quebrar o andamento, estávamos a velejar contra o vento...
( foto 1 ) ( foto 2 ) ( foto 3 )
( Foto 1 ) saída da "barra" da Base Aérea
( Foto 2 ) a Ponte 25 Abril / Cristo Rei / e Almada já se avistavam no horizonte...
( Foto 3 ) uma espécie de marinheiro
Depois de passarmos ao largo da Base Militar, era altura de fugir aos cabeços que existem na margem sul, e viramos o leme para Lisboa.
Estava consciente dos riscos, e estava a pisar terreno proibido...
iria velejar numa zona que é destinada a embarcações com a documentação em dia.
A minha documentação era ZERO, pois o Otimista não tem, nem nunca teve documentos,
e eu nem "Bilhete de Identidade" levava...
A esperança que a minha pequena vela passa-se despercebida era grande, e de certa forma resultou...
O vento era fraco e podíamos ir descontraídos,
descontraído entre aspas, porque só temos cerca de 1 metro quadrado para me sentar...
Agora a paisagem era outra... LISBOA
e estávamos cada vez mais próximos da Ponte Vasco da Gama
E não é que o vento passa de fraco a muito fraco,
Era só o que faltava... agora estava a andar para trás e não conseguia nem sequer neutralizar a corrente da vazante,
Estava a perder tudo o que tinha "conquistado",
parecia a minha conta bancaria quando começa a cair lá as tais despesas mensais...
Tinha como referência uma Bóia de sinalização... embora essa bóia esteja fixa ao fundo do rio, parecia que navegava lado a lado comigo...
e digo isto porque eu passei por ela 3 vezes e ela passou por mim 2 vezes,
eheheh (mas na altura não tinha graça nenhuma)
Até que a dada altura fiquei sem vento... e ainda por cima tinha sido visto por um helicóptero que parecia dirigir-se na minha direcção...
Velejar no meio do Mar da Palha com uma barco da classe Optimist, e com a sua vela bem identificada, dá a entender uma coisa:
- algum miúdo ou criança está em apuros e foi levado para esta zona do Tejo.
Talvez tenha sido isso que aconteceu, e o helicóptero em poucos segundos estava a voar em meu redor...
Cumprimentei-os, dando a entender que estava "bem", sem vento mas bem...
O Helicóptero ficou a pairar durante uns 5 minutos bem ao largo de mim, e neutralizou a corrente com o vento que fazia, e depois foram embora...
Agora vinha as surpresas das surpresas, o Tejo fica liso como um espelho e forma-se uma massa de ar que enche-me a vela e leva-me a uma velocidade impressionante,
parece que agora o vento produzido pelo Heli estava a dar frutos... Video com 17 segundos
Segundo as previsões o vento viria depois das 16H e já era quase 18H quando de repente e do nada começa a soprar um vento forte de noroeste,
uns minutos depois esse vento se transforma em vento mesmo forte e com forte ondulação...
Agora estávamos a viver dificuldades, e o Otimista dificilmente conseguia subir as ondas.
Estava constantemente a ser inundado (lentamente inundado onda após onda)
Tínhamos que corrigir o leme a cada onda,
aguentei este ritmo durante uma hora ou mais, e estava a ficar sem forças e concentração para mais.
Depois de 9 horas dentro do Otimista, o meu corpo esta a ressentir-se...
Estava com cãibras numa das pernas, e as mãos doíam-me de tão enrugadas que estavam e segurava a escota (2) com um sacrifício do caraças...
(2) é o cabo (corda) que ajusta a vela em relação ao vento.
A minha esperança estava a desmoronar-se... e as mazelas e o cansaço estavam a ganhar terreno...
o Mar da Palha não estava a dar tréguas...
até que por volta das 19H junto à ponte Vasco da Gama tudo se agrava.
Agora a ondulação estava a ganhar ainda mais força e em apenas duas ondas tinha o barco quase inundado.
Em desespero virei o leme, para ter o vento pela poupa, e navegar ao sabor das ondas,
e tentar tirar a agua do barco.
Ainda tentei... mas esta manobra foi um erro que me iria sair cara, e a descer uma onda (parecia surf) a frente afundou totalmente e foi o descalabro,
eu fui catapultado para fora do barco e o Otimista inundou completamente ficando suspenso pelas bóias.
Agora era a luta por tentar recuperar o Otimista, e poder sair dali...
simplesmente não acreditava no que me estava a acontecer...
Não conseguia acalmar a vela, e muito menos tirar a agua ao Otimista,
Entrava mais agua que aquela que conseguia tirar...
o meu peso e a ondulação anulava qualquer tentativa de remediar a situação.
Por momentos pensei... isto não devia de acontecer... com isto eu não contava...
Eu estava talvez a uns 4 kms da margem, e é desta que me vou lixar, e ninguém me vai ajudar...
mas lá consegui manter a calma, e agarrado ao bordo do Otimista conseguir aliviar a "espicha" (parte que complementa o mastro) e caçar a escota, e com a vela mais calma, velejei agarrado ao bordo até à praia.
O vento e a ondulação era forte e estava a ajudar, estava a resultar,
devo ter levado 1 a 2 horas a chegar à praia do Samouco.
Estava safo desta...
Estava safo, mas cada vez mais longe do meu objectivo.
Vivi momentos de medo, e devo ter-me mijado todo,
fiquei por momentos sem capacidade de reagir à situação ou sem saber como reagir...
...Já na praia e com os pés bem assentes no chão o medo transforma-se ironia,
e digo para mim mesmo:
- Afinal o Otimista além de veleiro também é um "submarino à vela"...
...e agora a ironia transforma-se em raiva... e penso para mim :
- Estamos perto demais para poder desistir, e isto não termina assim... vou ter que voltar...
Depois de recompor tudo, telefonamos (e mentimos) a dizer que estava tudo bem e que estávamos a no bom caminho.
Fiz contas ao tempo e tinha 1 hora de vazante para sair dali, e tentar atravessar os cabeços e ilhas de casca de ostra que se formam com a vazante.
Muitos sítios estava sem agua... sem poder usar o leme e patilhão, tudo se complicava...
com a vela risada às 3 pancadas (4) , e com o remo a fazer de leme lá fomos ou tentávamos ir...
(4) vela atada para se tornar mais pequena
Havia locais sem agua e outros sem profundidade suficiente ... então arrastei e contornei o Otimista por esses cabeços...
Tentei... tentei... e algumas vezes com lama até às canelas a tentar progredir...
mas tinha pela frente talvez uns 2 kms, ou sei lá !?!...
e se conseguisse conquistar esses 2 kms seria apenas o aperitivo... pois o verdadeiro prato ainda estava para vir...
As aguas pouco profundas deixaram cicatrizes no casco do Otimista...
(fotos tiradas no dia seguinte)
Era umas 10 da noite... e estávamos novamente em aguas com profundidade suficiente...
o vento tinha acabado e nem uma amostra tinha ficado... não soprava nada...
Aproveitei para ligar o telemovel, e com a luz do ecrã vi o que já sentia à muito...
Havia sangue espalhado um pouco por todo o lado...
Tinha feito pequenos cortes nas pernas,
mas um não era assim tão pequeno, e a coisa parecia feia...
Desta vez respirei fundo... e nesse momento desisti... e conformei-me com o rumo das coisas...
Aceitei com serenidade a derrota...
Estava de rastos e acordado à umas 30 horas seguidas, sem refeições propriamente ditas,
e já estava dentro do Otimista à 12 horas...
o meu corpo estava todo dorido...
Tinha que regressar à praia... teria que ser a remos... e contra a porra da corrente...
nada estava a correr bem... eu já não tinha capacidade ou os meios para planear bem as coisas...
A coisa não termina aqui... e ainda tive que esgravatar umas 3 horas para chegar à praia...
Remar... Remar... Remar... (video com 17 segundos)
...sempre junto à ponte Vasco da Gama... é assustador (ou por vezes foi)
Por volta da 1 hora da manhã pedi ajuda...
pedi que me resgatassem a mim e ao Otimista, na praia junto à ponte Vasco da Gama...
Estava a remar para a praia...
estava no linear das minhas forças... e a ser aspirado vivo pelos mosquitos...
e quando estava próximo da praia e ouço uma voz a chamar-me vinda de terra...
estava no linear das minhas forças... e a ser aspirado vivo pelos mosquitos...
e quando estava próximo da praia e ouço uma voz a chamar-me vinda de terra...
- Edgar és tu...?? Edgar... és tu...?? Aqui... vem para aqui...
Era a minha mulher... pois foi a ela que confiei o meu resgate caso fosse necessário...
Há sons que marcam a vida duma pessoa... ouvir o meu nome nessa noite sem luz ou luar vindo da praia, vai ficar bem registado na minha memoria... ai vai... vai...
...e fica registado por diversas razões, uma delas é que sabemos que por mais sozinhos que estejamos, isso não é verdade... temos sempre "alguém" que vem imediatamente ao nosso encontro se necessário...
...ouvir o meu nome, foi tão bom ou melhor que deitar-me na minha cama e descansar sem hora para acordar...
...ouvir o meu nome, foi o alivio que necessitava de sentir... de agora em diante tudo seria fácil...
...ouvir o meu nome, foi tão bom ou melhor que deitar-me na minha cama e descansar sem hora para acordar...
...ouvir o meu nome, foi o alivio que necessitava de sentir... de agora em diante tudo seria fácil...
Vou ficar por aqui... chega de escrita...
e digo apenas mais isto...
valeu a pena... muita coisa se tirou desta experiência...
OBR pela visita
Instrumentação para a navegação...
( foto 1 ) ( foto 2 ) ( foto 3 )
(1) Previsões do vento / temperatura da agua / e tabela das marés
(2) indicador de vento, feito com um palito gigante e fita duma cassete de video VHS
(3) Bússola... não foi necessária mas deu um "ar" hitec à coisa...
( foto 4 ) ( foto 5 ) ( foto 6 )
(4) Inspecção final dias antes da partida
(5) Tudo pronto para a partida...
(6) Veiculo de resgate...
E como sempre...
não deixamos impactos por onde passamos...
...todo o lixo proveniente das embalagens vazias regressou connosco
Vivo, intenso, resistente, rijo,
robusto, sacudido, sólido, valente,
válido, valoroso, vibrante, vigoroso
Que relato fabuloso! Consegui imaginar, através da tua escrita,o que viveste no Tejo.
ResponderEliminarParabéns pela tua persistência e pela tua dedicação a esse "barquinho" .
Olá Alberto
EliminarOBR desde já pela visita e pelo comentário...
É um "Barquinho" de madeira que tem seguramente mais anos que eu... eheheh
e olho para ele como uma pessoa mais velha e que merece todo o meu respeito... e vamos tentar recupera-lo guardando a sua beleza original...
vamos brevemente fazer (home made) uma vela branquinha e leve...
ABR
Edgar
Viva Edgar
ResponderEliminarDerrota em termos nauticos é o caminho seguido numa viagem por mar, tu Edgar, consegues-nos levar contigo nessas viagens.
Abraço
Olá Pedro
Eliminarcom essa, é que eu não contava... eheheh
fui ver o termo "derrota" à wikipedia... e a minha reacção foi:
- mas que raio, estes "gajos do mar" trocam o significado de tudo ehehehe...
OBR pela visita :)
ABR
Viva Pedro
EliminarFinalmente encontrei o que dizias... eheheh paço a citar:
"Na vela , a derrota é o caminho percorrido por uma embarcação de um ponto "A" para outro ponto "B". Na carta náutica o caminho que você está tentando seguir será traçado; derrota é o caminho que a "realidade" é devido a correntes, ventos, erros do instrumento, etc."
Mas como é que tu sabes sempre estas coisas ??
ABR...
Caramba Edgar. Fui contigo na viagem e só pensava no colete. Se não estaria podre. Que falta de ar...!!!
ResponderEliminarForam gajos assim que chegaram à Índia e ao Brasil. Que coragem e que tomates.
Antes me queria ver no Portalegre a fundo e sem travões do que numa aventura destas na água.
Olá Ângelo
Eliminarpois... mas eu desta vez não cheguei a lado nenhum... eheheh
mas vamos voltar a tentar... e vamos dedicar todo o tempo a treinos e algumas alterações para tornar a coisa mais segura...
o equipamento pessoal de segurança vai ter que ser melhorado e vou ter que "abrir os cordões à bolsa"...
Aquilo é deveras perigoso para fazer sozinho... e o equipamento individual de segurança deverá ser de TOP
e depois temos que voltar para conquistar o "Mar da Palha" com o Otimista eheheheh
Mas tenho que reconhecer que muita coisa pode correr mal...
coisas que nem nos passa pela cabeça...
por exemplo:
- numa altura em que ia com vento fraco, ia a olhar para trás, a ver a espuma que o leme fazia... e não é que vejo passar uma tábua enorme, tipo prancha de andaime ou de algum pontão de madeira... a passar com a corrente...
tinha uns 3 metros e era uma coisa enorme que se choca-se com o Otimista teria aberto um rombo ou desfeito toda a frente do meu barquinho... :(
OBR pela visita e pelo comentario
mas Portalegre até com travões é que não eheheheh
disso já tenho medo... eheheh
ABR
Edgar
Bolas!
ResponderEliminarE eu que ficava assustada com os passeios na XT!
Sem dúvida que to***** não te faltam!
Parabéns pela vitória, porque para mim foi uma enorme vitória começar uma viagem tão assustadora e voltar para comtar com tal sentido de humor!
Fico para ver a próxima ;-)
eheheh...
Eliminarfoi tudo um risco calculado...
onde o resultado andou sempre dentro da tolerância prevista... eheheh
A próxima será dia 20... pois vou dar a Voltinha anual de XT :)
OBR pela visita ;)
mas a mim ninguém me liga, eu avisei para não dares trabalho e esteve quase.... ;-)
ResponderEliminarainda bem que a coisa se resolveu .
abraço
Olá Nuno
EliminarAinda não foi desta que apanhei boleia de Heli eheheh
OBR pela visita :)
ABR dos Grandes
Essa foi dura...mas mais uma donde saíste ileso....ou quase.......grande maluco.....um grande abraço amigo Edgar e está um café a caminho para contares isso melhor....;-)
ResponderEliminarOlá Amigo Pedro
EliminarEu pago a 1ª rodada ;) eheheh
mas é claro que iria sair ileso... e com um ganda bronze :)
um bronze ao estilo de camionista (só nos braços e cara) lool
ABR :)
São experiências destas de limite que nos fazem entender e respeitar ainda mais. Ainda bem que acabou em bem, mas não descuides a preparação e a segurança. Daqui a maior força para seres o melhor que consigas!
ResponderEliminarPessoalmente julgo que nunca passei por uma situação tão complicada como esta, mas lembro-me bem depois de fazer a travessia do rio Sado a nado, prova organizada e com barcos e canoas de apoio, e depois de uma hora e meia a nadar sem parar, finalmente chegar à praia e não ter quase forças e equilíbrio para conseguir fazer os metros finais a andar.
Boas... Amigo
EliminarPercebo-te perfeitamente... :)
Agora vamos ter que fazer mais uns testes...
vamos continuar praticar e muita coisa precisa de ser melhorada...
Porque vamos voltar... em 2014 vamos voltar a tentar...
mas vamos voltar mais bem preparados e com um plano de evacuação à altura...
ABR e OBR pela visita :)
Amigo Edgar, que aventura! Foi uma luta com o Adamastor! Desta vez fiquei impressionado!
ResponderEliminarForça para a próxima aventura.
Abraço
Olá Francisco
EliminarPois... até eu fiquei impressionado...
e o que mais me impressionou foi o "pequeno" Otimista com os seus 25 centímetros de altura subir ondas com 1 metro...
Faltou a experiência ao navegador... eheheh
faltou também força e concentração... :( ...mas isso resolve-se :)
ABR dos Grandes
OBR pela visita
Que aventura, hein. Quase passaste do limite.
ResponderEliminarAgora você já sabe das limitações do barco e suas. Acredito que valeu pelo aprendizado.
Olá Dibars
Eliminarsim claro... eheheheh
Vamos diminuir essas limitações para outros níveis...
e vamos voltar... temos que voltar... dei-a por onde der!!
OBR pela visita :)
ABR
Edgar
E pronto....o tenrinho sou eu !!!!
ResponderEliminarMais a sério , tas maluco ou quê ? As coisas podiam ter corrido mal !
Tens de treinar mais e ainda por cima com um optimist ...
Abraço
Grande Rui
Eliminarestamos a tratar disso...
e o mês de Agosto e talvez Setembro vai ser dedicado a treinos e melhoramentos eheheh
tamb+em estou a pensar em comprar um GPS igual ao teu ;)
Tens que vir fazer-me uma visita ;)
ABR